Recentemente, minha esposa (Lilian) e eu tivemos uma conversa na qual ela desabafou sobre um triste; porém muito comum, problema fundamental da sociedade. É um daqueles problemas que explicam a origem de quase todos os demais problemas sociais.
O personagem da história é real! A história é real!
E é por ela ser real que ela é absurda!!!
Vamos a uma breve simulação de nosso diálogo:
– Conheci uma menininha da quinta série hoje. – Disse-me a Lilian, com o semblante série e entristecido. – Foi seu primeiro dia de aula na escola.
– Aconteceu alguma coisa com ela? – Perguntei, tentando imaginar o que poderia ter acontecido.
– Parece que o professor dela achou que ela não estava prestando atenção na aula. Então o mesmo pediu para ela lhe mostrar o caderno... – Ela me olhou por um instante antes de prosseguir. Notei que seus olhos ficaram vermelhos como se ela fosse chorar. E foi o que ela me disse. – Sabe! Eu quase chorei por causa dessa menininha.
– Mas o que aconteceu? – Perguntei já imaginando mil desgraças.
– O Professor desta menina pediu para ver o caderno dela, porque ele percebeu que ela não estava prestando atenção na aula.
– Certo! – Disse eu, instigando minha esposa a seguir mais rápido com a história.
– Então a menina relutou em mostrar o caderno!
– Ora! Mas porque? Ela estava brincando ao invés de fazer a lição ou algo assim? – Questionei, sem conseguir imaginar outro motivo para a relutância da menina.
– Não! Ela não estava brincando! Até estava fazendo lição... Mas... É que ela estava com vergonha de que o professor visse que ela estava fazendo lições de pré-escola ao invés da matéria que ele estava passando na lousa. – Minha esposa aparentava estar realmente triste. Não seria possível descrever na integra o sentimento dela. Mas é possível compreender se você possui um filho(a) e se pergunta que futuro ele teria estando nesta situação!
- Nossa! Matéria de pré-escola! Como assim? Ela não está na quinta série? – Perguntei eu mais para que minha esposa prosseguisse do que por não ter compreendido a situação.
– Você acredita? – Ela me perguntou. – Matéria de Pré-escola! Estava fazendo lições de caligrafia, que as crianças no Pré fazem para aprender a escrever.
Nós nos encaramos em silêncio por um tempo, depois a Lilian prosseguiu com seu desabafo.
– Que futuro esta menina tem? – A pergunta que minha esposa me fez me pareceu retórica. Não respondi. Até porque ambos sabíamos a resposta; um futuro muito difícil no mínimo. Afinal estamos falando de uma menina que mora em um bairro de periferia, onde é comum ver na porta da escola e em um parque da região, crianças e adolescentes usando drogas em plena luz do dia.
– Ela é uma menina comportada? – Perguntei.
– Sim sim! Eu até conversei com ela! É uma menininha simpática e comportada. Até porque as crianças da quinta série não costumam dar o mesmo tipo de trabalho que os alunos mais velhos dão.
– É verdade! – Concordei. – Lembra que eu passei por um choque desses uma vez? Um menino na sexta série que não sabia o que era “data de aniversário” e não sabia escrever o próprio nome? – Pensei naquele momento o que teria acontecido com aquele menino, pois o fato havia ocorrido há pelo menos uns oito ou nove anos.
– Lembro! – Respondeu ela e após alguns instantes perguntou. – O que vai ser dessas crianças? O que estamos fazendo com nossas crianças?
Nós debatemos durante algum tempo esta questão. Sempre conversamos sobre este assunto; os absurdos do sistema de ensino brasileiro.
Mas o problema não é apenas o sistema de ensino, que permite que os alunos avancem para as próximas séries sem possuírem nem mesmo o básico: saber ler e escrever por exemplo.
Na verdade, a questão não trata-se apenas de falar sobre quais são os problemas. De apontar na máquina social e politica onde encontram-se as falhas e quem são os culpados por elas. Quando fazemos isso nós tratamos, geralmente, de conceitos abstratos: educação ruim, interesses políticos, aprovação automática, etc.
Quando tratamos de conceitos abstratos nós sempre “achamos” que o assunto é apenas um tema de televisão, para ser debatido em telejornais (quando algum aborda o assunto desta forma) ou em época de eleição.
Os seres humanos não acham que as questões abstratas o afetam de verdade! E é por isso que os seres humanos geralmente só se “movem” para resolver um problema quando este está para explodir.
Um problema que só o afetará no futuro só será real no futuro, de modo que no presente ele é apenas um conceito, uma abstração. Como nosso inconsciente se alarmaria com algo que não é real?
Quando minha esposa conheceu aquela menina ela deparou-se com algo que não tinha nada de abstrato; uma menina aparentemente tímida, comportada e simpática e com um futuro duvidoso pela frente. Em termos de estudo, esta jovenzinha já irá começar a colher os frutos reais de sua alfabetização precária. A cada ano estes frutos serão mais e mais reais e nada agradáveis!
Como estará esta menina daqui a dez anos com o nível de estudo que ela está recebendo?
Ela conseguirá cursar uma faculdade?
Ela conseguirá arrumar um bom emprego? Ou mesmo um ruim, mas digno?
Se você tem entre 26 e 30 anos basta lembrar-se do que você precisava saber para passar da quarta série para a quinta.
Você certamente sabia ler e escrever! E se não sabia certamente não passou da quarta séria para a quinta!
Estamos habituados a pensar que o aluno é quem deve esforçar-se para ir bem na escola. Mas é certo que uma criança aprende a se esforçar para ir bem em qualquer coisa quando um conjunto de fatores conspiram para isso...
A família tem que ensinar e cobrar o esforço da criança! Mostrar que este esforço é importante e positivo para ela!
A escola tem que possuir recursos para prover um bom nível de estudo! Também precisa possuir um sistema para avaliar seus alunos! Avaliar um aluno não é condená-lo! É medir seu nível de conhecimento para melhor direcionar seus esforços!
E o governo não deve criar politicas que minam completamente qualquer chance do sistema de ensino dar certo!
Mas é isso que as politicas que o governo criou para o ensino fazem! Minam a instituição chamada “Escola”.
Futuramente irei falar mais sobre este assunto. Eu e todos os Ratos Letrados iremos falar! Porque falar sobre isso é essencial!
Não estou abordando este assunto partindo do pressuposto de que as criticas que apresento ao governo e à sociedade são irrefutáveis.
Por hora deixo em aberto as seguintes perguntas:
O que será desta menina que na quinta séria do ginásio ainda está aprendendo a ler e escrever?
Como esta menina chegou na quinta série neste estado?
Esta situação que hoje é uma realidade para muitas e muitas crianças e jovens tem solução?
Até o próximo POST!