A Rua dos Anhangás: terror e folclore indígena

Um lobisomem monstruoso observa uma rua escura em uma cidade brasileira
Imagem gerada por mim no Midjourney

👻👹👾

Após um tempo (alguns anos) experimentando algumas plataformas de publicação, principalmente o Wattpad, Clube de Autores e o KDP da Amazon, eu resolvi voltar a publicar no Wattpad, sendo o principal motivo a interação com os leitores.

Ao mesmo tempo, tenho explorado a ideia de construir um Blog (o meu espaço na internet) para reunir os meus variados trabalhos, esboços e/ou experimentos; como meu podcast "Caravana Sombria", meus livros e contos, desenhos, games, etc. E por isso mesmo, tenho pensado em qual seria a melhor maneira de divulgar minhas histórias aqui no Blog.

Por isso, trago hoje um pouco sobre A Rua dos Anhangás; lugar estranho e sinistro localizado no Jardim Santa Maria, em Osasco - SP (pertinho de onde moro atualmente). Pode ser um desafio encontrar essa ruazinha que sequer aparece no Google Maps. Ao mesmo tempo, ela tem o mal hábito de capturar pessoas com seus becos traiçoeiros que usa como se fossem os tentáculos cinzentos de uma besta urbana encravada na cidade.

Ilustração que mostra alguns dos personagens de A Rua dos Anhangás
Desenho que fiz dos personagens Isac e o Padre Roberto

SOBRE YOUKAIS, A SÍNDROME DO VIRA-LATA E O FOLCLORE BRASILEIRO

Aproveito este espaço para discorrer um pouco sobre a história por trás desta história. Falo sobre os motivos que me levaram a escrever um conto completamente inspirado no folclore brasileiro. Alerto, porém, que não sou um especialista em folclore; pelo contrário, como bom brasileiro que sou, careço de conhecer profundamente este aspecto de nossa identidade nacional. Mas, nem por isso minha opinião deixa de ter alguma verdade; nem que seja a minha própria, o que quer dizer que, mesmo que todos os especialistas do mundo – hoje o mundo abunda em especialistas na mesma medida em que carece de esclarecimento – discordem do que digo, ao menos o que digo servirá como ponto de partida para que se diga algo a respeito deste tema.

Então sigamos em frente...

Durante toda a minha infância e juventude eu odiei o folclore do meu país. E não sou o único; a multidão de conterrâneos meus que compartilham desta opinião – ou melhor, compartilhavam, pois hoje estou curado deste ódio – é tão vasta quanto as terras tupiniquins. Pensando sobre isso, já adulto e tendo consumido obras com embasamento folclórico de outros países; em especial do Japão, as quais sempre me agradaram tanto, comecei a me questionar o que havia de diferente entre elas; obras folclóricas estrangeiras, e as nossas próprias obras. Ou seja, o que há lá fora que aqui não temos?

O Japão possui os seus youkais, seus samurais e seus ônis. O Oriente Médio possui seus gênios, seus tesouros fabulosos e os seus viajantes conhecedores das histórias mais insólitas. A Europa possui os seus dragões, cavaleiros e magos. E o Brasil? O que possui? Criaturazinhas infantis como o Saci-pererê, a Cuca, a sereia Yara, a dona Benta e a boneca Emília?

Claro, à primeira vista o brasileiro vai responder que é justamente esse o nosso folclore: um amontoado de personagens infantis e sem graça. Afinal foi com este folclore que fomos bombardeados nas últimas décadas.

Grande engano. Se nos esquecermos desta roupagem infantilizada com que vestiram nossa identidade cultural e voltarmos nossos olhares para o passado, veremos que nossa história é repleta das mais fabulosas e instigantes histórias.

Como eu dizia, enquanto que o Japão folclórico é povoado por Youkais e Budas importados da China – que por sua vez os importaram da Índia –, o Brasil possui os seus Anhangás; que nada deixam a desejar aos seus primos nipônicos, e Santos importados da Europa; tão encantadores e instigantes quanto os muitos tipos de Budas reverenciados na Ásia.

Enquanto o Oriente Médio possui seus Gênios e todo o panteão da mitologia Árabe, o Brasil possui todo um caldeirão de criaturas saídas das mais diversas famílias selvagens; os chamados "índios" (o correto é aborigenes) que povoaram estas terras Sul-Americanas por milênios possuem suas próprias religiões xamanistas, com suas figuras mitológicas — creio que assim podemos chamá-las —, seus deuses e guerreiros lendários.

Enquanto a Europa possui seus Dragões o Brasil possui o Mboi Tatá; a serpente de fogo, a mula sem cabeça; cuja lenda original nada possui de infantil, o terrível Mapinguari, e uma infinidade de outros.

Enquanto o exterior possui os seus monstros, o Brasil possui os seus sete monstros lendários, filhos de Tau e Kerana, naquilo que podemos chamar de mitologia Guarani. E não paremos por aí, temos nossos próprios zumbis – o corpo seco – e os nossos próprios lobisomens – como por exemplo o capelobo – e mais, muito mais...

Além disso, as nossas histórias originais não possuem o mesmo apelo infantil com que as vestimos nos últimos anos. São histórias sombrias e aterrorizantes, fabulosas, deslumbrantes, repletas do apelo selvagem que tanto gostamos de procurar em obras estrangeiras.

Mas então porque, afinal, desprezamos tanto o nosso próprio folclore?

Só posso supor que em parte a culpa é desta roupagem tão infantilizada. É como quando retiramos os condimentos de um prato; apimentado por natureza, na esperança de torna-lo mais palatável para o consumidor infantil, mas o fazemos a tal ponto que o prato se torna chocho; tão sem graça que o próprio público infante ao qual se destina perde o interesse no mesmo.

O irônico é que nossa moderna sociedade brasileira vem fazendo isto já há umas boas décadas, numa tentativa de proteger a infância e o infante; como se pudesse de alguma forma preservar a criança como “criança” ao poupá-la da escuridão que há no mundo, negando ao seu olhar ingênuo aquilo que os monstros foram criados para mostrar: o lado sombrio da própria humanidade e da natureza. Afinal, não nos esqueçamos que é desde sempre que o ser humano usa o dom que possui de contar histórias para ensinar; já diziam para as criancinhas em volta da fogueira que a mata possuía monstros assassinos e sanguinários que iriam devorar suas tripas se fossem descuidadamente até lá sem a proteção dos seus pais e que por isso, não deviam deixar a proteção da tribo para se lançar em uma aventura provavelmente suicida.

Claro, o medo nem sempre é o melhor professor, mas seu apelo é inegável.

Mas não culpo a este fenômeno da infantilização exacerbada somente. O folclore brasileiro sofre também de outro mal; a síndrome do vira-lata, a qual faz com que tudo o que seja nacional seja visto como "menos" e tudo o que é estrangeiro seja visto como "mais". E este não é um mal moderno, é já velho e faz parte de nossa formação cultural enquanto nação. O fato é que ainda não superamos nosso complexo de inferioridade e por isso temos tanta dificuldade de acreditar que aquilo que é brasileiro é bom, que aquilo que é escrito em português é relevante, e que nossas assombrações podem mesmo inspirar medo.

Conheço pessoas que acham engraçado ler um livro de terror ou aventura que se passa em sua cidade natal, ao passo que os livros que se passam na cidade natal de autores de outros países soam-lhe não apenas mais "críveis" como também mais “sérios” e “dignos” de crédito. Ora, um lobisomen, esteja ele na França, nos E.U.A, no Timor Leste, em Angola, Portugal ou no Brasil, ainda será um lobisomen. A diferença é que no Brasil o monstro não será meio lobo, e sim meio vira-lata, pelo menos até que o brasileiro se cure desta síndrome.

E talvez o remédio possa ser aprendido nas terras do sol nascente; em que os filhos do vento divino precisaram aprender na marra como valorizar a própria cultura enquanto absorviam o estrangeiro para que pudessem sobreviver. Falo do Japão.

O japonês hoje veste-se como o ocidental, conhece a indústria e a ciência ocidental, mas preserva-se como japonês. São um perfeito exemplo deste paradoxo cultural que sonho para o meu próprio país e embora eles tenham os seus próprios problemas, devemos admitir que eles respeitam suas raposas, admiram seus Youkais e Kamis e prestam reverencia à natureza de seu país em seus santuários xintoístas. É preciso valorizar a própria origem e a própria cultura (ao menos os aspectos positivos da cultura) para seguir em frente como um povo digno. Se você pensa em você mesmo como sendo "menos", agirá irremediavelmente como "menos". Por isso é tão importante pensar; senão como "mais", talvez como um "igual" perante os outros povos.

Foi pensando nisso que tive uma inspiração; porque não posso fazer com o folclore brasileiro o mesmo que os japoneses fazem com seu folclore japonês nos "animês", nos "mangás" e nos seus livros? Eles sempre estão revitalizando suas raízes com roupagens que, a despeito de novas, não deixam de carregar a mesma essência.

Aliás, nosso folclore indígena possui muitas semelhanças com o folclore japonês: ambos possuem uma origem primitiva e selvagem, com tradições xamanistas que cultuam a natureza e também ambos passaram ao longo de sua história como civilização, pelo processo de importar também as tradições, conhecimentos e as mitologias de outros países, afinal, assim como eu já mencionei, da mesma forma que o Japão importou o Buda e várias tradições chinesas, o Brasil importou Portugal e a África para as suas terras tupiniquins.

Claro, o Brasil e o Japão também possuem muitas diferenças e hoje encontram-se tão opostos no que diz respeito ao nível de valorização da cultura nacional quanto estão geograficamente. Mas destas duas distâncias, apenas a geográfica não podemos diminuir.

Deixo agora este pequeno conto; minha visão do que seria dar uma roupagem moderna e ao mesmo tempo "não infantilizada" para as criaturas saídas do espirito folclórico desta vasta nação tupiniquim.

Que esta nação um dia diga "Não somos vira-latas! Somos como a nobre Onça! Reis como o Jacaré-Açu! Livres como o Gavião Real! Somos herdeiros dos guerreiros de pele vermelha! Somos os senhores que governam as terras brasileiras, tão ricas e vastas em tesouros fabulosos e exuberantes que nem mesmo nas mil e uma noites já se ouviu falar! Somos irmãos dos povos que falam português, tupi-guarani, e outras centenas de línguas, com as quais conjuramos a mata, as águas, e as suas fabulosas criaturas!

O Conto completo está sendo publicado (ou já foi, depende de quando você está lendo esse post) no Wattpad.