Hoje eu encontrei um antigo micro-conto meu. Resolvi postá-lo aqui no Blog. Esse é um dos contos que compunham a minha coletânea “Histórias Sobrenaturais do Folclore Alien, e outras coisas estranhas” (ou H.S.F.A. para simplidicar as coisas), que eu cheguei a publicar no Wattpad (hoje essa coletânea não está mais publicada em lugar algum, então acho que é hora de eu começar a pensar em postar aqui no Blog, e porque não em publicar novamente o H.S.F.A.).
Lembro que a motivação para escrever esse pequeno conto veio de uma noticia que li em algum jornal. Após o conto, deixo um texto que escrevi para acompanhar o conto:
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CONTO
Breve encontro com Dracooh de Beltraam
Ia eu, dia desses, em minhas andanças pelo mundo à fora, quando, em um mercado, me deparo com uma discussão acalorada. Um tipo "bem sucedido" ralhava com umas seis pessoas, lhes dizendo que não passavam de uns caipiras acomodados, que não se esforçavam para conseguir uma qualificação e por isso, várias oficinas estavam com falta de mão de obra "qualificada" enquanto que eles, mesmo desempregados, aceitavam fazer bicos, pedir esmolas ou depender de outras pessoas para viver. Os outros, que lhe xingavam, sem contudo ter coragem para se aproximar muito do que lhes descia o sermão, eram tipos "esfarrapados" ou, se preferirem os "mal sucedidos" da sociedade.
Eis que o sujeito "bem sucedido" me chamou a atenção por não ser, apesar de sua aparência, uma pessoa de fato. Quando me dei conta, logo entendi o porque dos demais não terem linchado o tipo "bem sucedido" apesar de sua ousadia em enfrentar pessoas que aparentavam "não ter nada a perder". Findo o embate de ideias que ali se apresentava, o chamei de canto e lhe perguntei — apesar do risco que corria em faze-lo — quem é você afinal, que trata a estas pessoas de tal modo? Eu já imaginava, claro, mas precisa ouvir dele para ter certeza.
Ele então me respondeu, espantado por perceber que eu era capaz de identifica-lo como um "Não humano":
Sou um espírito, destes que chegam a ser chamados de demônios por seu povo, tolo e ingênuo. Sou até chamado de "Diabo" por pessoas como estas com quem eu ralhava ainda à pouco. Ora, não percebe, sou Dracooh de Beltraam. Percebe? Eu é quem faço seu povo avançar ao longo de muitos milênios. Dracooh de Beltraam, em português ao menos. Mas tenho outros nomes. Não fosse por mim, ainda estariam rastejando na lama e nas sombras da idade média.
Me alimento do seu sangue, dos seus sonhos, e da sua ambição. Mas em troca lhes dou o que vocês possuem de melhor: civilização e progresso... Bom, claro que não o faço sozinho, há outros como eu trabalhando nisto. Mas enfim, sou eu quem cuida dessa massa de operários necessários a qualquer colmeia.
Vocês aprendem cedo que sua vida, futuro e expectativas me pertencem.
Ah sim, e vocês me temem.
Sou eu quem banco seus governantes e os coloco em seus tronos, gabinetes e escritórios.
Mas, nos últimos tempos, como não há muitas guerras pelo mundo, e a fome já não está com a mesma corda de sempre, muitos de vocês tem feito corpo mole, sabe, como se pudessem escolher não se sacrificar para me sustentar.
Deixe estar. Uma hora dessas lhes coloco na linha. Ah se coloco...
Concluiu ele com um riso maldoso no rosto, já virando-se e indo-se para a encruzilhada que estas criaturas atravessam para chegar à suas moradas não terrenas.
Dracooh de Beltraam. Quem diria que toparia com esta criatura. Nunca simpatizei com ele e com seus métodos.
Mas que remédio. Como ele mesmo disse, em nossa "ingenuidade" típica o criamos e somos, desde então, seus reféns. Claro, ele não está sozinho. Mas nós também não. Pena que nossa ingenuidade nos impede de nos levantarmos contra criaturas como ele.
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COMENTÁRIO
Faltam profissionais qualificados para o mercado, disse alguém, em algum jornal, site, televisão — ou em todos eles, neste caso.
Sim, faltam — aqui no Brasil, que é onde esta “afirmação” fora dita.
Mas se faltam profissionais qualificados e também há desempregados; outra “afirmação” não menos verdadeira, devo pensar que, ou faltam porque são os desempregados culpados por não se qualificarem ou porque a qualificação não lhes cabe.
Pensando um pouco sobre o assunto; tendo eu um pouco de vivencia com várias verdades do dia-a-dia, acredito que é porque “a qualificação não lhes cabe”.
E por que não lhes cabe?
Vejamos, a pessoa sabe, quando ainda jovem — sabe por observar e por ser ensinada — que o mercado não será seu amigo e sim um inimigo a ser vencido: você só conseguirá alguma coisa se for o melhor entre os melhores e mesmo assim, terá que se sacrificar muito para conseguir pouco. Conforme a pessoa cresce, a profecia se concretiza, de fato, precisa trabalhar muito para pouco retorno. Não falarei sequer sobre a educação publica, gratuita, obrigatória e falida a qual "Todos" são forçados pelo estado — e por "Todos", não me refiro, obviamente, a quem pode pagar por uma educação melhor.
Assim, prossigamos: quando a pessoa pensa "preciso me qualificar para conseguir algo melhor"; o que podemos interpretar por salário e qualidade de vida, o problema é dela. Exatamente: o problema é dela!
Para o mercado — ou, mais especificamente para a empresa — o problema é da pessoa. Se ela quiser estudar e trabalhar, terá de se virar para conseguir conciliar as duas coisas. Terá que se virar para despender tempo e dinheiro que não possui em um curso de graduação — no qual ingressa despreparado devido ao péssimo ensino público — mas haverá quem diga que se a pessoa quiser, ela "corre atrás e consegue", uma frase quase mágica: "corre atrás que você consegue", talvez até fosse mesmo capaz de fazer mágica, não fosse pelo fato que as pessoas que precisam "correr atrás" e fazer "mágica" são pessoas entre os seus 7 e 16 ou 17 anos, pergunto-me então, porque algumas pessoas, entre seus 40 e 70 não "correm atrás e consertam o país", afinal, é só "correr atrás" que a "mágica" da "fada do corre atrás" fará milagres.
Claro que, fosse um caminho garantido para se qualificar e com isso obter um maior retorno do mercado de trabalho, então haveria de ser um sacrifício coroado com glórias; mas é claro que não é assim. Isso é só fantasia barata vendida às pessoas. Primeiro, como o sistema todo está — e por sistema interpretemos "país" — , a pessoa se esforça de forma hercúlea para extrair o mínimo possível em sua "escola de graduação", sendo que o correto seria aprender o máximo do máximo possível, isto é, não se ingressa em uma graduação em condições de se extrair de lá o máximo potencial, pois é humanamente impossível: pelo contrário, entra-se para extrair o minimamente suficiente para conseguir o papelzinho "diploma". Mas não é por incompetência que isso ocorre — há até quem se desdobre e concluí a jornada extraordinária de trabalhar, estudar, cuidar da família e é um excelente aluno, mas mesmo assim, ele o seria ainda melhor, não fosse pelo fato de que o problema é dele. Mas voltando, não é que as pessoas extraem o minimo possível por incompetência, é simplesmente uma limitação humana: uma jornada de trabalho que vai das 8 às 18 significa começar a labuta uma ou duas horas antes — algo entre 6 e 7 horas — e concluí-la uma ou duas horas depois, isto desconsiderando possíveis horas extras exigidas pela empresa de modo incisivo — ora, pessoas que não se dispõe às horas extras são"mal vistas" no mundo corporativo e frequentemente as preferidas em um corte de pessoal. Bom, mas não é por maldade que a empresa faz isso; é apenas uma questão de matemática: Lucrar ao menor custo possível.
Voltemos agora para as pessoas que tentam se qualificar no cenário acima; elas terão que sair da empresa e ir para sua graduação, já cansados e com pouco tempo disponível, terão de estudar para provas, seminários, precisarão ler livros, etc, em algum horário que não seja aquele que comprometa seus compromissos familiares, suas necessárias horas de sono, e principalmente que não comprometa o seu "Precioso", "Querido" e "Estimado" emprego. Este que, diante do esforço da pessoa diz que se ela quer se qualificar, o problema é dela. Se ela não se qualificar o azar é dela.
Neste cenário, quando a pessoa percebe que, mesmo se qualificando a empresa parece não reconhecer que ela merece maior salário, melhor qualidade de vida, ou o que quer que seja, ela passa a pensar "não vale a pena me sacrificar" — porque como vimos, não se trata de esforço, trata -se de sacrifício — e com isso chegamos neste cenário, no qual há vagas, mas falta profissional qualificado. Há desempregados, mas a qualificação que lhes daria um emprego parece não lhes caber, pois para consegui-lo sem contudo ser certo o seu retorno, é preciso um sacrifício para o qual não esperam glórias.
É irônico pensar que a educação pública, gratuita e obrigatória não tenha nenhuma serventia para ocupar vagas no mercado de trabalho de modo a garantir uma vida adulta digna a quem quer que seja, sendo que, é esta mesma educação que é forçada às pessoas pelo governo.
É irônico porque este governo, representado por políticos, tem suas campanhas eleitorais financiadas por empresas — ou seja, pelo mercado — e este o faz para garantir seus interesses imediatos: Lucro.
Mesmo que se fale tanto em dar às empresas responsabilidades ditas "sociais" — como meio ambiente, combate à exploração infantil, etc — e "qualidade de vida" — se é que se pode chamar de "qualidade de vida" os benefícios que são vendidos como tal — não se vê, por outro lado a responsabilidade por uma educação realmente funcional que permita aos educados viver dignamente.
Se não há profissionais qualificados a culpa é do mercado.
Deveria ser dele a responsabilidade pelas escolas. Deveriam eles construir e manter as escolas que lhes dão os profissionais de que precisam. Afinal, as pessoas não recebem dos políticos eleitos pelas empresas os recursos com os quais poderiam se qualificar.
Não fosse verdade que as empresas elegem governantes, elas não bancariam suas campanhas.