📕🕮📕
"Na vida não há senão uma preocupação grave: a morte. Pois bem! Não é curioso estudar as diferentes maneiras pelas quais a alma pode sair do corpo, e como, dependendo das características, dos temperamentos e até mesmo dos costumes do país, os indivíduos suportam essa suprema passagem do ser ao nada? Quanto a mim, defendo um ponto de vista: quanto mais se viu morrer, mais se torna fácil morrer. Logo, do meu ponto de vista, a morte talvez seja um suplício, mas não uma expiação."
— Alexandre Dumas (O Conde de Monte Cristo)
Uma das passagens mais sombrias de O Conde de Monte Cristo é a passagem de Albert e Franz por Roma, em especial no capítulo A Mazzolata, em que o Conde discorre sobre seus estudos acerca da justiça humana e sua ineficácia no que diz respeito ao uso da pena capital.
Com isso Edmond quer dizer que a pena de morte pode até ser considerado um castigo físico; porém rápido demais e ineficiente em fazer com que o condenado pague por seus crimes. Ele cita exemplos, os quais não irei transcrever, mas ao invés disso, farei uma síntese do raciocínio: de que vale impinginr alguns instantes fugazes de sofrimento físico a uma pessoa que cometeu atrocidades por anos, que fez alguém sofrer por décadas ou então por uma vida inteira?
Eu, particularmente, concordo com a visão de Edmond Dantes à respeito do "olho por olho e dente por dente". Não obstante o assunto é mais complexo do que isso; não se trata de concordar ou discordar apenas. É até possível uma pessoa concordar com o raciocínio e ao mesmo tempo essa mesma pessoa não consiga colocar em prática uma vingança, visto que a depender do contexto, essa pessoa terá de ir contra os seus princípios e talvez até precise atingir outras pessoas (até mesmo inocentes) para realizar essa forma de "justiça" que Edmond cita. Talvez por isso essa forma de "justiça" seja chamada de vingança.
O contrário também é verdade; mesmo uma pessoa que não concorda com esse pensamento pode, em um momento de ódio e desespero extremo praticar o "olho por olho e dente por dente".
Acredito que na maioria dos casos nós não somos capazes de prever com perfeição nossa real inclinação para um ou outro lado dessa história, simplesmente porque não costumamos frequentar as regiões mais sombrias de nossa alma e por isso ignoramos o que habita nestas regiões; o que há de mal ali para ser despertado em um momento tão perturbador para o nosso espírito é algo que raramente podemos prever.
Há casos, no entanto, que injustiças extremas e atos de crueldade não despertam o pior de suas vítimas; e sim o contrário. Essas pessoas iluminadas, no entanto, escapam à minha compreensão.
Este é um dos assuntos mais complexos e interessantes com que já esbarrei nesse livro. Sempre gosto de meditar sobre isso quando o releio; mesmo que eu sempre continue com muitas dúvidas e incertezas sobre o assunto.
Acho curioso que, apesar de Edmond começar a frase com "Na vida não há senão uma preocupação grave: a morte.", ele na verdade não está preocupado com a morte, embora esteja fazendo alusão às pessoas que fazem desse tema um espetáculo (inclusive, no carnaval romano as execuções em praça pública são o espetáculo de abertura para o próprio carnaval, conforme o livro nos mostra). O que Edmond quer abordar, partindo desse tema sombrio é que ele está em busca da vingança perfeita, mas que para atingila, os condenados devem estar vivos, pois de outra forma não poderão "viver" o sofrimento que ele julga lhes ser merecido.
Acho curioso a ironia dessa passagem: em suas viagens pelo mundo, em busca do castigo mais terrível possível para seus desafetos, ele descobriu que na verdade ele só poderia castigá-los adequadamente se estes estiverem vivos.