Este é mais um treino de criativade (uma atividade que eu idealizei em 2005 e da qual já falei um pouco em outro post) na minha oficina de escrita pessoal.
A ideia é reservar todos os dias uns "cinco minutos" para pensar em pelo menos 6 coisas "impossiveis¿!"...
Esta atividade visa treinar a criatividade, bem como outras habilidades envolvidas no processo criativo (escrita, comunicação, auto-conhecimento, etc).
Após um certo tempo, você terá um diário que servirá também como fonte de inspiração, sem contar que através dele você poderá se auto-analisar.
Claro, eu não sigo as regras acima todos os dias e, na verdade, já passei por hiatos de até alguns anos. Mas volta e meia eu releio as ideias que eu já registrei no meu diário pessoal e, encantado com minhas próprias anotações, penso: preciso continuar com isso.
Hoje foi um desses dias em que reli meu diário e passei os olhos pelo meu fabuloso catálogo e resolvi adaptar um pouco a ideia para dar continuidade ao exercício. Pensei comigo: ao invés de fazer apenas uma listinha de coisas impossíveis, eu posso pensar em uma única coisa fantástica e transformá-la em uma pequena história; um microconto, ainda que inicialmente sem conclusão. Com isso treino não apenas a criatividade, mas também treino criar histórias curtas da forma mais sucinta possível.
Como sou péssimo em textos curtos, estou me desafiando a não ultrapassar 500 palavras nessas pequenas histórias, pois conforme li neste artigo do app Sweek, um microconto deve ter entre 7 a 500 palavras. Com o tempo, posso me desafiar a criar histórias cada vez mais curtas. Por mais controverso que isso possa parecer, ao fazer isso é possível melhorar também a habilidade necessária para se escrever textos longos e até romances.
Como resultado desse meu primeiro desafio, pensei na ideia abaixo que virou o microconto abaixo "a voz no broche":
Ideia
Ganhei um broche enfeitiçado em que habita um espírito que só se manifesta nas noites de lua nova. Nestas noites o espírito me empresta os poderes do broche: telepatia, hipnoze e cura. Mas, toda vez que uso esses poderes a minha energia vital é consumida, de modo que envelheço mais rapidamente por isso.
Microconto: A voz no broche
Há alguns anos visitei uma cidadezinha perdida no interior. Lá descobri uma feira noturna de artesanato indígena, em que uma velha senhora me abordou. Não falava minha língua, mas pelos seus gestos parecia querer que eu ficasse com um estranho broche de madeira. Peguei a carteira, mas ela recusou o dinheiro e com um gesto tornou a ofertar o broche. Aceitei o que na ocasião me pareceu um presente.
Certa noite, enquanto eu usava o broche, comecei a ouvir vozes. A partir de então, toda noite de lua nova a voz soava em minha mente. Pensei que estava enlouquecendo, mas com o tempo percebi que não era esse o caso.
O broche era habitado por um espírito que só se manifestava nas noites de lua nova, quando conseguia me emprestar seus maravilhosos poderes de telepatia, hipnoze e cura. Com um simples toque eu podia curar qualquer pessoa de qualquer doença ou ferimento; por piores que fossem.
Com estes dons eu rapidamente conquistei fama e fortuna com a qual eu me fartava em todo tipo de luxo, de modo que durante muito tempo não dei atenção para os pequenos sinais de que algo estava errado comigo.
Até que um dia notei que estava envelhecendo cada vez mais rápido e se continuasse naquele ritmo eu morreria em breve.
Questionei o espírito sobre aquilo, ao que ele me respondeu que aquele era o pagamento exigido para operar aqueles milagres. Em desespero tentei usar o dom da cura em meu próprio corpo: nada aconteceu.
Quase indaguei como reverter minha situação, mas tive medo. E se a solução tivesse um preço ainda mais terrível? Resolvi não perguntar mais nada.
Enquanto eu contemplava meu reflexo envelhecido, lembrei-me da velha que havia me dado o artefato.
Por mais que fosse improvável encontrá-la, parti em viagem a fim de procurá-la. Noite após noite eu ia até a feira, mas não a encontrava.
Prestes a desistir, eu avistei uma jovem mulher que se parecia muito com quem eu buscava. Fui até ela e arrisquei dizer que conhecia a mãe dela e pedi que me levasse até ela para tratar de um assunto urgente.
A jovem me olhou com estranheza e fez um gesto me enxotando e falou em uma língua desconhecida...
Quando ouvi sua voz não tive dúvidas: ela não era a filha da velha que eu procurava; era a própria velha. Lhe mostrei o broche e indaguei em desespero "Como me livro disso? Como?". No mesmo instante a mulher arregalou os olhos para o objeto amaldiçoado e saiu correndo como se fugisse do próprio diabo.
Tentei alcança-la, mas em vão.
A entidade me disse que não adiantava ir atrás dela e como o cansaço havia me vencido, pedi pela explicação completa.
A voz então me disse que poderia rejuvenescer meu corpo se o possuísse definitivamente, mas perderia os poderes no processo. Meu próprio espírito ficaria preservado a salvo da morte no broche e herdaria seus poderes. Em resumo, trocaríamos de lado.
Sem opções, aceitei aquele desfecho.