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Meu contato com "Trevas"
Eu tive um sonho que não era em todo um sonho
O sol esplêndido extinguira-se, e as estrelas
Vagueavam escuras pelo espaço eterno,
Sem raios nem roteiro, e a enregelada terra
Pendia cega e negra no ar sem lua. — Lord Byron
Hoje eu vou destacar não apenas uma frase, mas um dos poemas góticos mais interessantes que eu já li: Trevas, de Lord Byron.
Eu tive contato com esse poema em algumas ocasiões ao longo da vida. Da primeira vez eu sequer sabia que os meus próprios textos tinham tanta influência e características da literatura gótica. Eu simplesmente lia os livros que eu mais gostava e por um acaso essas eram obras sombrias ou que tinham em sua composição elementos da cultura gótica: como castelos, mistério, elementos sobrenaturais, etc. Claro, isso não quer dizer que apenas obras góticas me inspiram, mas mesmo em obras que me inspiram e que são de outros gêneros (como O Senhor dos Anéis, Conan o Bárbaro e O Conde de Monte Cristo) eu encontro alguns dos elementos que estão presentes na literatura gótica.
A segunda vez que eu tive contato com esse poema, foi em um vídeo do canal Desvendando Segredos e Mistérios. O vídeo em questão (abaixo) fala sobre a série Primal (do mesmo criador de Samurai Jack). Bem, eu ainda não assisti a Primal, mas já assisti Samurai Jack e, juntando isso ao que vi no canal citado, garanto que essa série está na minha lista e tem tudo para ser tão incrível como suspeito que seja… Mas estou perdendo o foco aqui: a questão é que a abertura do vídeo usou o poema de Byron. E que poema. E que tradução. O clima soturno e sombrio combina perfeitamente com o tom da série, porém isso você poderá conferir assistindo ao vídeo.
Resolvi então falar um pouco sobre Lord Byron aqui no Blog. Com isso eu estudo sobre o assunto (do qual sou um entusiasta, mas nem de perto um especialista) e de quebra compartilho um pouco desse universo maravilhosamente sombrio que é a cultura gótica; incluindo a literatura gótica, que é do meu total interesse.
Lord Byron nasceu no ano de 1788 e morreu em 1824. Foi um dos principais poetas britânicos do romantismo, e também um dos mais influentes para a literatura gótica. Suas obras se caracterizam pela presença de elementos sombrios, misteriosos, fantásticos e macabros, que refletem a sua personalidade rebelde, melancólica, libertária e lásciva.
Byron viveu uma vida cheia de paixões, escândalos e aventuras, que o levaram a viajar por vários países da Europa e a participar da luta pela independência da Grécia, onde morreu aos 36 anos. Ele deixou um legado de poemas épicos, narrativos, líricos e satíricos, que inspiraram outros escritores góticos, como Mary Shelley, Edgar Allan Poe, Bram Stoker e Álvares de Azevedo.
Um dos seus poemas mais famosos e góticos é “Trevas”, escrito em 1816, após a erupção do vulcão Tambora, na Indonésia, que causou um ano sem verão na Europa. Nesse poema, Byron imagina um cenário apocalíptico em que o sol se extingue e a humanidade é consumida pela escuridão, pelo frio e pelo desespero. Acho curioso que o tema “apocalipse” sempre vem à nossa mente como algo atual, contemporâneo, coisa dos tempos modernos, quando na verdade este é um tema que acompanha a humanidade desde os seus primórdios. Não apenas a humanidade, quero dizer: quantas espécies já não tiveram o seu próprio apocalipse? Quanto ao Humano: este já quase teve o seu, inúmeras vezes antes, o que me faz pensar que a Humanidade é uma espécie louca, pois é a única que parece querer provocar o próprio fim… Mas estou divagando novamente. Voltemos ao poema Trevas…
O poema é dividido em nove estrofes de nove versos cada uma, seguindo o esquema rimático ABABBABCC. O ritmo é marcado pela alternância de versos iâmbicos (com uma sílaba átona seguida de uma tônica) e trocaicos (com uma sílaba tônica seguida de uma átona). O tom é sombrio, trágico e irônico.
A seguir, deixo transcrito o poema “Trevas” na tradução de Castro Alves (e reforço a recomendação do vídeo sobre Primal, onde você ouviram outra tradução desse mesmo poema e que é igualmente fantástica e sombria):
Trevas
Eu tive um sonho que não era em todo um sonho
O sol esplêndido extinguira-se, e as estrelas
Vagueavam escuras pelo espaço eterno,
Sem raios nem roteiro, e a enregelada terra
Pendia cega e negra no ar sem lua.
A manhã não voltava mais; cada noite era
Uma noite sem fim; os homens se esqueciam
De seus passados claros; não havia outra aurora
Senão a da esperança vã; o alimento era
O pão amargo do desespero.
E os homens se reuniam em grupos à cidade,
Para falar duma esperança já perdida;
E sorriam com amargura uns para os outros,
E tremiam com frio inútil junto ao fogo;
E as donzelas olhavam para os seus amantes,
Como quem diz adeus; e os olhos dos rapazes
Brilhavam como loucos; e as mães apertavam
Os filhos ao peito – mas nada disto os salva.
Nem eles nem seus filhos – de coisa alguma.
E os animais morriam; – até mesmo o cão fiel
Deixava o seu dono (que lhe dera o último pão)
Para rastejar ao canto escuro e ali morrer.
Os pássaros caíam dos ramos semimortos,
E ficavam calados em sua agonia.
Os vivos eram poucos – muito poucos na terra:
Uma mulher velha trêmula e um servil escravo
Eram talvez os últimos – então eles também morreram.
E as trevas foram densas sobre a face do abismo.
E os homens diziam uns aos outros:
“Vamos acender
Uma luz com a madeira verde”.
E eles acenderam.
Mas era uma luz triste; e o coração dos homens
Encheu-se de fantasmas enquanto ela ardia.
E quando ela se apagou eles pensaram ouvir
Uma voz alta clamar:
“A Terra está morta!”
E eles gemeram:
“Não temos mais irmãos!”
E eles erravam pela floresta onde outrora
Brilhara a beleza das flores; mas não achavam
Senão a cinza das folhas mortas que pisavam.
E eles paravam junto aos rios, mas bebiam
Apenas um licor amargo – não era água.
E o tumulto dos mares furiosos subia
Até o céu sem lua, e as vagas se quebravam
Umas nas outras, e sacudiam a espuma
Sobre a terra sem vida, como se quisessem
Lavá-la de sua culpa.
E os homens olhavam para o céu, e alguns enlouqueciam;
E outros sorriam com um sorriso convulso;
E outros maldiziam
Deus e morriam;
E os que ainda viviam não se amavam mais.
Mas dois deles morreram abraçados, pois tinham
Um amor tão sublime que os tornava imortais:
E em seu túmulo nasceu uma flor, que foi a última
De todas as que existiram na terra.
E os outros dois que restaram eram dois inimigos,
Que tinham sido amigos no tempo da abundância,
E lutado até a morte; mas agora queriam
Morrer abraçados, como os amantes ditosos;
Mas a inimizade era mais forte do que o amor,
E eles morreram de ódio sem se perdoarem.
E as trevas foram densas sobre a face do abismo.