Samurai de Olhos Azuis: uma obra-prima da animação que explora a dor, a vingança e a identidade

 

Uma samurai de olhos azuis, com óculos laranjas, empunhando sua espada que tem sede de sangue e cujo olhar arde com a chama da vingança

🤹‍♂️

Samurai de Olhos Azuis

Eu gosto muito de histórias sobre Vingança. O Conde de Monte Cristo e V de Vingança são duas obras-primas espetaculares nesse quesito (e são as minhas favoritas da vida). Mas existem muitas outras histórias sobre vingança ótimas por aí e Samurai de Olhos Azuis acaba de entrar para essa lista e eu coloco essa animação em uma posição de destaque. Talvez até entre para a minha lista seleta de obras favoritas e, se isso ocorrer ao longo das próximas temporadas (e como eu quero que hajam mais temporadas), terei uma tríade de obras sobre vingança em meu top favoritos sobre o tema.

Samurai de Olhos Azuis é uma série original da Netflix que vem conquistando o público com sua história envolvente, seus personagens complexos e sua animação deslumbrante. A série conta a saga de Mizu, uma mulher mestiça que se disfarça de homem para se tornar uma espadachim e buscar vingança contra aqueles que arruinaram sua vida. Ambientada no Japão feudal do século XVII, a série retrata um período histórico fascinante, em que o país adotou uma política isolacionista e discriminatória contra os estrangeiros e os mestiços.

O cenário

Mizu ilhando para Edo durante o inverno, casas e castelos cobertos de neve e depois as colinas nevadas

Além da sua temática sangrenta, Samurai de Olhos Azuis é uma obra com samurais, espadas, cenas de luta incríveis, personagens carismáticos e vilões respeitáveis, com destaque para o inglês Abijah Fowler: ele é temível, ele tem um passado crível, não se enquadra em clichês desnecessários e despropositados. É um vilão bastante realista; ganancioso, ambicioso e cuja visão de mundo foi deturpada por sua própria história de vida: como vítima de um sistema violento e cruel, ele tornou-se um monstro tão temível quanto a máquina que o moldou.

O cenário dessa história é um Japão feudal super conservador, em que os estrangeiros e os mestiços são tratados com aversão e xenofobia. Inclusive, o xogunato proíbe a presença de estrangeiros em território japonês e qualquer tipo de comércio ou negócios com estrangeiros que são até mesmo chamados de "demônios brancos".

Protagonista: o passado de Mizu

Mizu cercada pelo fogo da vingança

Neste cenário, somos apresentados à protagonista dessa trama: Mizu, uma mulher mestiça; tendo traços orientais e características eurocentradas, com destaque para os olhos azuis. Para quem gosta de histórias com protagonistas femininas fortes e marcantes, esta é a obra certa. Quando assisti aos primeiros episódios eu me lembrei de outra obra que conseguiu criar uma protagonista feminina da qual gosto muito: Kill Bill. Há muitas similaridades entre as séries (e também muitas diferenças). Mas, o principal é que estamos falando de uma mulher que escolhe o caminho da espada para buscar sua vingança (deixo claro que por motivos diferentes). Apesar do protagonismo de Mizu como personagem feminina (a obra é dela e sobre ela), ela não é a única mulher forte que vemos na obra; há outras personagens femininas, que escolhem lutar segundo as armas que escolhem para si mesmas.

Mizu escolheu a espada e o seu caminho é o mesmo do gume que ela afiou em sua mente e seu coração por tantos anos: a vingança é como o fio da espada, um fio que separa a vida da morte. Mas por qual motivo Mizu tem tanto ódio em seu coração?

A infância de Mizu foi marcada pela luta para se manter escondida da sociedade a todo custo, pois, conforme sua mãe sempre a lembrava, se alguém a visse, homens maus viriam para matá-la. Tudo isso porque a menina era uma mestiça com olhos azuis, uma filha de um "demônio branco".

Um dia os homens maus realmente vieram e queimaram sua casa. Mizu sobrevive ao atentado, mas sem encontrar vestígios de sua mãe, que ela acredita ter morrido no incêndio, ela faz um terrível juramento de se vingar dos responsáveis por terem feito dela um monstro aos olhos da sociedade...

Mas quem seriam esses responsáveis?

Vilões: Os demônios brancos

Mizu cercada pelas quatro presas

Na época de seu nascimento haviam apenas quatro homens brancos em todo o Japão. Esses homens traficavam ópio, armas e "carne". Eram criminosos infiltrados na sociedade japonesa (rígida e hipócrita) que se aproveitavam da clandestinidade para cometer suas atrocidades, tornando aqueles que se sujeitavam a fazer negócios com eles mais ricos enquanto eles próprios enriqueciam e nutriam seus próprios planos nefastos.

Antes de conseguir sonhar com sua vingança, Mizu precisa primeiro sobreviver nesta sociedade hostil e para falar disso vou dar alguns spoilers de leve... Então ATENÇÃO, a seguir vou dar alguns pequenos spoilers sobre o primeiro episódio, mas depois continuarei escrevendo sobre a série sem entregar muio sobre o seu desenrolar e desfecho (para preservar ao máximo a surpresa daqueles interessados em assistir a obra).

Após quase morrer ao ser emboscada por um grupo de moleques delinquentes, a jovem Mizu conhece um velho ferreiro cego chamado Eiji e, após ajudá-lo a coletar um meteoro (cuja queda a salvou da morte) que o velho ferreiro pretendia usar como fonte de metal para as espadas que forjava, ela começa a viver com ele, que a toma como um "aprendiz". Ela não fazia ideia de que aquele velho ferreiro era um mestre conhecido por forjar as melhores lâminas da região.

Mizu cresce e aos trancos e barrancos consegue se tornar uma guerreira habilidosa... (não vou dar spoilers sobre como isso ocorre, pois estragaria a surpresa de acompanhar o desenrolar dessa descoberta logo no primeiro episódio da série). Até que um dia, ela deixa a casa do mestre Eiji (a quem ela às vezes se refere como "Pai das Espadas") e parte em sua jornada de vingança e morte.

Ao longo da animação, vamos descobrir que dos quatro homens brancos caçados por Mizu, restam apenas 3, pois Mizu já ceifou um deles e tatuou uma marca em seu braço para se lembrar que ainda faltavam três deles. Apesar disso, a série não mostra ou explica como ela matou seu primeiro alvo e, sendo uma série cheia de reviravoltas e mistérios, posso até questionar se ela de fato matou esse homem, aliás: quem disse que ele era mesmo um homem? Não sabemos. Provavelmente isso será mostrado na próxima temporada, mas pelo mistério feito até o mometo, eu acredito que deva haver algo de especial na morte desse primeiro alvo ou talvez algum segredo que ainda será revelado aos espectadores. Mas gosto de delirar um pouco em minhas especulações sobre esse mistério e fico me perguntando se Mizu não pouparia seu primeiro alvo ao descobrir que um dos quatro brancos no Japão na época de seu nascimento era, na verdade uma mulher e, portanto, não haveria como ser ela o seu pai... Posso até especular algumas outras coisas sobre o assunto, mas não sem dar spoilers e, por isso, prefiro deixo um segundo alerta de SPOILER logo a seguir:

Ao longo dessa primeira temporada, Mizu descobrirá que até mesmo o que ela sabe sobre sua mãe está errado e que esse é mais um mistério sobre o seu nascimento.

Trama política e corrupção

Mizu empunha sua espada ensanguentada, princesa Akemi, Taigen e Fowler aparecem a sua frente e a sua volta as flores de cerejeira parecem respingos de sangue

Além dos mistérios e reviravoltas sobre o passado de Mizu, somos apresentados a uma trama política cheia de corrupção e traições vindas de todos os lados. Abijah Fowler, o homem branco caçado por Mizu nessa temporada, é o centro dessa corrupção e ameaças políticas, mas sua maldade respinga para todos os lados e econtra pares tão gananciosos quanto ele entre os da classe nobre do Japão.

Mais do que dar uma dimensão social do Japão, a política e a corrupção da sociedade são apresentadas nessa história com outro intuíto: a máquina social abrangida pelos aspectos políticos e sociais e as tradições fortemente conservadoras da sociedade japonesa são colocadas como a origem dos personagens dessa história. É por causa da corrupção, da ganancia política, da xenofobia e dos aspectos conservadores do povo japonês que temos uma protagonista como Mizu: alguém com um desejo de vingança tão intenso é fruto de seu imenso ódio, que por sua vez vem de um passado de medo, tristezas e infortúnios. Do mesmo modo que Abijah Fowler é o monstro que é devido aos traumas de sua infância, e Akemi é se vê como um passáro preso em uma gaiola ansiando desesperadamente por liberdade. O carater dos personagens é moldado por essa trama sangrenta de política e corrupção. Claro, falo da política não como algo ruim: a corrupção é que torna a política praticada pelos poderosos algo ruim e veremos isso em várias dimensões nesta obra. Da mesma forma que veremos a ingenuídade de pessoas honradas, prontas para morrer por seus líderes, sem fazer ideia de que esses líderes tem as mãos e os pés sujos com o sangue de inocentes.

Personagens carismáticos e interessantes

Mizu e Ringo na capital pedindo informações

Outros personagens carismáticos e interessantes são apresentados nesta obra e seus papeis vão muito além do de meros coadjuvantes. O primeiro deles é Ringo; um filho de cozinheiro que não tem as duas mãos e passa a perseguir Mizu, implorando para que ela faça dele seu discipulo, uma vez que ele deseja se tornar um grande samurai: um sonho peculiar para alguém que cresceu no Japão sem as duas mãos e sofrendo todo tipo de preconceito e dificuldade diante da sua limitação.

Aliás, este é o segundo personagem carismática e interessante com uma limitação peculiar diante de sua profissão. O primeiro personagem é o mestre ferreiro que acolheu Mizu quando ela era uma criança órfã e perdida no mundo: Eiji é um velho mestre ferreiro que, apesar de cego, é o melhor forjador de espadas da região.

Temos também a princesa Akemi; a jovem é mimada, impulsiva e dona de um espírito rebelde e sonhos de liberdade incompatíveis com o papel que esperam que ela cumpra na sociedade feudal do Japão. Assim que ela é apresentada, seu pai, para lhe dar um sermão, usa uma alegoria falando de porcos para se referir à própria filha. Isso dá uma dimensão de como Akemi e as mulheres em geral são vistas pela nobreza no que diz respeito a assuntos políticos.

Falando da Akemi, temos também o velho Seki, que seria uma espécie de "babá" para a jovem princesa, responsável por sua educação e cuidados desde a infância. Seki foi como uma "mãe" para Akemi (cuja mãe biológica morreu cedo; não me recordo se no parto de Akemi ou depois, mas o fato é que é citado que a menina cresce sem os cuidados da mãe, que é substituída em sua função por Seki, um ex-samurai).

Um samurai chamado Taigen também está entre nossos carismáticos coadjuvantes: ele é um samurai arrogante e habilidoso cujo objetivo é casar com Akemi (que está apaixonada por ele, apesar de o seu pai considerar outro partido mais vantajoso para a filha e para os seus próprios interesses) e ascender socialmente enquanto samurai. O que eu posso falar sobre esse personagem? Bom, não muito (e por ótimos motivos). Vou dizer apenas que Taigen é um personagem humano, cheio de defeitos. Mas não somos todos cheios de defeitos?

A própria protagonista; Mizu, não é uma heroína e, ao longo de sua jornada, veremos que mesmo um arrogante Taigen e uma impulsiva e mimada Akemi podem dizer algumas verdades para Mizu. Mizu é uma protagonista cativante. Obsessiva, inconsequente e determinada, ela parece mesmo um demônio vingativo em sua jornada de morte. Às vezes ela apresenta um humor arrogante e ácido, mas apenas quando provocada. Ela também demonstra ser uma pessoa educada e humilde, que procura resolver as coisas da forma mais pacífica com quem não é seu alvo. Porém, quando algo se mostra um obstáculo em seu caminho, ela é capaz de frieza e até mesmo crueldade, seja para conseguir uma informação importante ou para tirar uma pedra do caminho (mesmo que ela esteja errada ao jugar certas pessoas como "pedras" em seu caminho).

Qualidade da animação

Também preciso falar da qualidade da animação. Lembro da minha aversão com animações que usavam recursos 3D e tecnologias computadorizadas para criar suas animações. Seus movimentos eram duros, robóticos e por algum motivo não eram críveis. Mas isso ficou no passado.

Lembro que a última vez que torci o nariz para uma animação usando esses recursos foi em "O Príncipe Dragão", também da Netflix. De lá para cá, há cada vez mais obras cuja animação computadorizada é uma verdadeira obra de arte, que não se esquece de enriquecer seus quadros e cenas com movimentos em 3D com desenhos e pinturas. É o caso com Samurai de Olhos Azuis.

Tanto nas paisagens, nos personagens e nas cenas de ação, há arte. A animação é linda e as cenas são fortes, impactantes.


Conclusão

Para concluir esse texto, esta série é uma celebração audiovisual cheia de criatividade e originalidade. Uma verdadeira obra-prima. As cenas ricas de violência gráfica aliadas à coragem e inteligência do roteiro, apresentam a dura batalha que Mizu enfrenta contra os dilemas pessoais que vão além de suas lutas físicas. A narrativa não linear da série mantém o espectador sempre curioso e surpreendido, revelando aos poucos os segredos e as motivações da protagonista e dos demais personagens.

Samurai de Olhos Azuis é mais do que uma história de ação e aventura. É uma história de dor, obsessão e honra; de moralidade, código e tolerância; de egoísmo, ódio e corrupção; de identidade, gênero e raça. É uma história que reflete sobre a humanidade e seus conflitos, mostrando o pior e o melhor de cada um. É uma história que emociona, impressiona e faz pensar.

Se você gosta de animação, de história, de drama e de fantasia sombria, você precisa assistir Samurai de Olhos Azuis. É uma série que vai te transportar para um mundo em que a honra bate de frente com o egoísmo e a vingança é como o fio da espada que separa a vida da morte certa.

Se você já assistiu a essa série, deixe seus comentários e opinião.

Vou ficando por aqui. Até um próximo duelo 🗡

Mizu, a samurai de olhos azuis