A Lenda da Guyra Nhandu: A Ave Gigante que Anuncia o Inverno

 

Divindade do inverno da América do Sul: ave monstruosa e gigante possui penas negras como a noite e olhos que brilham como brasas em meio à escuridão. Seu corpo é coberto por uma camada de gelo que a protege do frio intenso que ela mesma cria. Quando voa no céu noturno batendo suas asas, espalha o frio por toda a América do Sul

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Que tal tornarmos o Halloween ainda mais arrepiante e culturalmente rico este ano? Na noite mais fria que tive essa semana, fiquei refletindo sobre qual entidade da mitologia guarani associada ao inverno poderia estar por trás desse intenso frio. Eu já tinha lido sobre como os guaranis associam as constelações com as estações do ano e, por isso, eu já tinha uma boa ideia sobre qual entidade eu poderia abordar nesse tema. Por isso, neste post, vou explorar a mitologia indígena e apresentar a Guyra Nhandu, a ave gigante guarani que anuncia a chegada do inverno na América do Sul segunda a tradição das tribos guarani. Descubra como o frio intenso e as paisagens geladas desse continente, como a Patagônia e os Andes, podem ser tão assustadoras quanto qualquer conto de terror norte-americano. Prepare-se para conhecer uma criatura mitológica que transforma o inverno em uma força da natureza aterrorizante e aprenda como as culturas indígenas enriqueceram suas celebrações com lendas sobre o clima e os elementos da natureza.

A minha noite mais fria em 2024 — até o momento...

São 23:29 do dia 13 de Agosto. Acho que essa é a noite mais fria do ano e também uma das mais frias em muitos anos por aqui.

Se fosse lua cheia, seria uma noite perfeita para lobos e também para lobisomens... Mas não, a lua ainda não está cheia. Apesar disso, ela está em sua fase crescente e dentro de sete dias estará completamente visível no Céu noturno. 

Mais cedo eu saí para dar um passeio noturno com a Pituxa e percebi como fazia tempo que eu não sentia o vento gelado no meu rosto enquanto percorria ruas vazias.

Pelo que li nos blogs de meteorologia hoje de manhã, há alguma chance de nevar nessa madruga em regiões mais altas do interior da região Sudeste e Sul. Eu não duvido. 

Bom, achei que devia aproveitar que o inverno finalmente resolveu dar as caras em sua própria estação e falar um pouco sobre a Guyra Nhandú ou Guirá Nhandú (uma vez que a grafia muda ligeiramente conforme quem traduziu para o nosso alfabeto o fonema tupi guarani), a ave gigante da mitologia guarani que prenuncia a chegada do inverno.

É verdade que em boa parte da América do Sul não neva. Mas quando o inverno é muito rigoroso, as serras mais altas da região Sudeste e Sul do Brasil podem ser surpreendidas com neve e até mesmo as regiões mais baixas são cobertas pela geada. No Norte e Nordeste eu Brasil essa época do ano não é tão fria, mas torna-se seca e é acometida por ventos cortantes. Mas engana-se quem pensa Guyra Nhandu é uma criatura responsável por um inverno ameno... Não, a América do Sul é muito vasta e as tribos que habitam mais próximas das montanhas das cordilheiras dos Andes sabem o quão cruel pode ser o frio destilado por essa criatura terrível. No deserto do Atacama, onde as temperaturas são normalmente baixas durante a noite, tornam-se um verdadeiro reino das trevas nas noites de inverno, chegando a nevar no deserto. Isso mesmo, aqui na América do Sul chega a nevar no deserto durante o inverno.

As nevascas descem dos picos das montanhas Andinas com suas garras gélidas como a morte, soprando um frio tão intenso que é capaz de matar aqueles que se arriscam a enfrenta-lo abertamente. Mais ao Sul do continente sulamericano, na Patagônia, o frio e a neve são elementos constantes.

Mas o inverno desse ano está sendo um tanto quanto cruel, mesmo com um mês de Julho anormalmente quente nas regiões, especialmente da região Sudeste em diante, na direção da linha do Equador, não foram poucos os eventos de frio extremo do estado de São Paulo até o cabo Horn, no Chile.
Enquanto eu caminhava com a Pituxa, sentindo o vento cortante em meu rosto, eu pensava nas notícias sobre esses eventos de frio intempestivo aqui no continente. As notícias eram alarmantes: nevascas no interior, geada em áreas mais baixas. A Guyra Nhandú, a ave gigante da mitologia guarani, parecia ter despertado de seu sono profundo. A lenda conta que ela, com suas asas gigantescas, traz o inverno mais rigoroso, congelando rios e matando animais. E, cá entre nós, essa descrição não estava nada distante da realidade que vivíamos.

Lembro-me de ter lido em algum lugar que a Patagônia, lá no extremo sul do continente, havia sido atingida por um frio tão intenso que até mesmo o mar havia congelado. Animais acostumados ao frio, não resistiram e foram encontrados congelados na região. A fúria da Guyra Nhandú era evidente, e a cada rajada de vento, eu sentia um arrepio percorrer meu corpo.

É como se a natureza estivesse nos mostrando seu poder bruto, nos lembrando de que somos apenas pequenos seres em um universo imenso e imprevisível. E, nesse momento, eu não podia deixar de me sentir pequeno e insignificante diante da força da natureza. Ainda assim, me sentia bem ao experimentar uma noite tão fria como não sentia há tempos... Na minha infância o frio do inverno era mais presente e constante, porém, com menos eventos extremos como os atuais.

Enquanto observava a lua crescente, tentei me conectar com a energia da noite fria. Será que a Guyra Nhandú estava sobrevoando nossos céus, espalhando seu frio gélido? Ou será que era apenas mais uma noite de inverno, embora um pouco mais intensa que as outras?

A verdade é que nunca saberemos ao certo. Mas uma coisa é certa: a natureza sempre nos surpreenderá, e nós devemos estar preparados para enfrentar seus desafios.

Pesquisadores atuais tem associado este ser mitológico com uma Ema, porém não há como ter certeza a esse respeito, por vários motivos; os quais vou explorar a seguir...

Tradução de "Guyra Nhandu" para o Português

A tradução literal de "Guyra Nhandu" para o português é bastante complexa, pois envolve termos específicos da língua guarani que não possuem correspondentes exatos em nosso idioma.

Guyra geralmente é traduzido como "ave" ou "pássaro", enquanto Nhandu pode ser associado a um conceito mais amplo de "ave grande" ou "ave gigante". No entanto, essa tradução literal não captura a carga simbólica e mitológica do termo original.

Considerando o contexto da lenda e as características atribuídas à criatura, uma tradução mais livre e poética poderia ser:

  •  Ave Gigante da Noite
  •  Pássaro Monstruoso do Inverno
  •  Ave Negra Gigante da Geada

Essas opções tentam transmitir a ideia de uma ave de grande porte, associada às trevas, ao frio intenso e aos fenômenos naturais do inverno.

É importante ressaltar que:

  •  A tradução exata pode variar dependendo da interpretação de cada estudioso e da versão da lenda.
  • Infelizmente, é difícil rastrear o significado da lenda às suas origens, por falta de registros dos povos ancestrais, que não possuiam lingua escrita.
  •  A sonoridade e o ritmo das palavras em guarani são elementos importantes da narrativa e podem não ser totalmente capturados em uma tradução.

Uma tradução mais precisa dependeria de um estudo mais aprofundado da língua guarani e do contexto cultural em que a lenda surgiu. Além de pesquisa de campo junto aos povos dessa etnia, em várias regiões, para buscar um apanhando mitológico em torno dessa lenda em várias regiões e cruzá-las a fim de obter um retrato mais aproximado do mito ancestral.

Eu mesmo fiz uma rápida consulta em um dicionário de tupi guarani que eu tenho no kindle a fim de criar minha própria interpretação da expressão Guyra Nhandu (segundo esse dicionário em específico); e que inclusive, recomendo para os interessados em mitologia tupi guarani, pois ajuda muito a pesquisar o significado de vários nomes que vemos por aí a respeito das lendas antigas da América do Sul. Enfim, consultando o dicionário, eu não encontrei o termo Guyra, o qual vemos em vários artigos sobre essa criatura, inclusive artigos mais sérios, como na edição 198 da revista Ciência Hoje das Crianças, que aborda as constelações relacionadas às estações do ano e trata da Guyra Nhandu como sendo a constelação da Ema.

Porém, apesar de não ter encontrado o termo Guyra, encontrei Guirá, que é outra forma como vemos essa criatura sendo referida: Guirá Nhandú. E bem, o termo Guirá significa: Guira, wira, g'uira: relativo à seta; pássaro (uira, u'ir ra: típico desprender, seta). Claro que, por dedução, podemos dizer que esse termo faz referência a aves de modo geral e também às penas dessas aves que deviam ser usadas em flechas.

Quanto ao termo Nhandú, eu encontrei apenas Nhandu, termo para o qual o dicionário dá o seguinte significado: Nhandu, nhã ndu: mexer característico, aranha.

Novamente, só podemos tentar deduzir o significado de Guira Nhandu (ou Guyra Nhandu), diante da tradução dessas duas palavras. Podemos pensar em algo como "Ave Aranha", ou "Ave que anda como uma Aranha". Se era assim que os Guaranis se referiam a ave que conhecemos como Ema eu não posso afirmar e nem discordar. Mas posso sim questionar, uma vez que "Ave que anda como uma Aranha" ou "Ave que tem um andar peculiar" é um termo que pode ser aplicado à várias aves e, além disso, pode ser que estejamos errados em interpretar o sentido do significado "mexer característico" com o "andar de uma ave". Pode ser que a expressão Guirá Nhandu se refira ao voo da ave e não ao seu "mexer" ou "andar".

Também preciso questionar o próprio dicionário no qual estou me baseando, pois eu não posso garantir com absoluta certeza de que ele está completamente correto e, além disso, precisamos lembrar que o povo Guarani se espalha por uma ampla região da América do Sul e, por esse motivo, deve possuir dialetos diferentes conforme a região em que se estabeleceram ao longo do tempo, exatamente como acontece com todos os demais povos. Um exemplo rápido é o próprio povo brasileiro, que usa a mesma palavra para se referir a animais diferentes conforme a região. Eu já ouvi dizer que lá no Sul; mais especificamente no Rio Grande do Sul, os urubus são chamados de "corvo".

Um apanhado sobre a lenda

O mito guarani a respeito dessa criatura diz que está ave gigante possui penas negras como a noite e olhos que brilham como brasas em meio à escuridão. Seu corpo é coberto por uma camada de gelo que a protege do frio intenso que ela mesma cria. Quando Guyra Nhandu bate suas asas gigantescas, o vento gélido se espalha por toda a América do Sul, congelando tudo o que toca. Dizem que suas penas são tão afiadas quanto espadas e que seu canto é capaz de congelar até mesmo o coração mais forte.

Os antigos guaranis acreditavam que Guyra Nhandu era uma deusa da morte, que controlava o ciclo das estações e trazia o inverno para punir os homens por seus pecados. Quando a ave gigante sobrevoava as aldeias, os guaranis se refugiavam em suas casas, acendendo grandes fogueiras e oferecendo alimentos aos deuses para apaziguar sua ira.

Mas Guyra Nhandu não é apenas uma deusa da destruição. Ela também é um símbolo da renovação. Após o inverno rigoroso, a natureza se renova e a vida floresce novamente. Os guaranis acreditavam que Guyra Nhandu fertilizava a terra com o gelo que ela espalhava, preparando-a para a chegada da primavera.

A lenda de Guyra Nhandu é uma história que nos conecta com a natureza e com os nossos antepassados. Ela nos lembra da força e da beleza da natureza, mas também nos alerta para os perigos do inverno e da importância de respeitar o meio ambiente.

Enquanto observo a lua crescente no céu, não posso deixar de pensar em Guyra Nhandu e em seu poder sobre o inverno. Será que esta noite sentiremos a fúria da ave gigante? Ou será que o inverno já está chegando ao fim?

Só o tempo dirá.

Agora vou ficando por aqui, pois tenha outras lendas para pesquisar antes do Halloween e um livro para escrever (para não mencionar os demais livros que estão na minha fila de espera).

Até a próxima e se agasalhem quando ouviram o bater de asas da Guyra Nhandu ❄️

Divinda do inverno da América do Sul na forma de uma monstruosa ave meio-humana que espalha o frio batendo suas asas na noite