O Mboi Tatá e a Fúria da Natureza: Um Relato Sombrio

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Que tal tornarmos o Halloween ainda mais arrepiante e culturalmente rico este ano? Esta é outra manhã fria e a mais fria da semana segundo dados do MetSul. Mas, mesmo assim, resolvi falar sobre uma lenda ancestral da cultura tupi-guarani relacionada com um problema comum nos invernos brasileiros: as queimadas que devastam campos, fazendas e às vezes até mesmo importantes áreas florestais. Me acompanhem para conhecer um pouco mais sobre o Mboi Tatá...

Para começar, é Mboi Tatá e não Boi Tatá

mboi tatá, serpente de fogo, escamas escarlates, olhos hipnóticos, deidade protetora da natureza, causa das queimadas, floresta em chamas, culpa humana, arte conceitual, yokai serpente de fogo, cultura tupi guaraniAntes de mais nada, eu também achava que havia aprendido da forma correta na escola, quando os professores falavam das criaturas do folclore brasileiro e faziam referência a um tal de Boi Tatá. Apenas depois de muitos anos, quando resolvi pesquisar mais a fundo a mitologia Tupi-guarani é que compreendi que não existe nenhum "Boi" em seu rol de criaturas fantásticas e sim "Mboi", que em uma tradução para o nosso idioma seria algo como "Serpente" ou "Cobra".

Por isso é comum ainda encontrarmos a grafia "Boi Tatá" em trabalhos de escola sobre o folclore ou mesmo em blogs que falam sobre o folclore brasileiro. Mas o correto é dizer "Mboi Tatá" quando nos referimos à lendária criatura da mitologia tupi-guarani. Essa confusão, embora frequente, tem uma explicação simples: a origem e o significado das palavras. A similaridade sonora entre "Mboi" e "Boi", somada à influência da língua portuguesa e à falta de conhecimento sobre a língua tupi-guarani, contribuem para essa troca.

Na língua tupi-guarani, "Mboi" significa "cobra" e "Tatá" significa "fogo". Logo, "Mboi Tatá" se traduz como "cobra de fogo", descrevendo a aparência da criatura. Utilizar a grafia correta é fundamental para demonstrar respeito à cultura indígena, preservar a identidade cultural e evitar a disseminação de informações incorretas. Ao utilizar a grafia "Mboi Tatá", estamos valorizando a riqueza cultural do Brasil e contribuindo para a construção de um futuro mais justo e equitativo.

Agora que deixamos esclarecido esse ponto, vamos falar um pouco sobre o que dizem algumas versões dessa lendária criatura.

A Fúria que Acende a Noite

Nas profundezas da floresta, onde a sombra se espreita e os ventos sussurram segredos ancestrais, habita uma entidade de poder incomensurável: o Mboi Tatá. Criatura mítica da cosmogonia Tupi-Guarani, o Mboi Tatá é mais do que uma simples lenda; é a personificação da força indomável da natureza, um guardião que, em sua ira, pode transformar a beleza da floresta em um inferno de chamas.

Antes da chegada dos colonizadores, o Mboi Tatá era reverenciado como um espírito protetor das matas e dos campos. Sua imagem, uma serpente gigantesca com olhos de fogo, era ao mesmo tempo temida e adorada pelos povos indígenas. Acreditava-se que ele percorresse as florestas, vigiando e punindo aqueles que ousavam desrespeitar a natureza.

Nas profundezas das matas, onde a sombra da copa das árvores forma um manto verde sobre a terra úmida, habita uma criatura lendária e poderosa: o Mboi Tatá. Na língua tupi-guarani, "Mboi" significa "cobra" e "Tatá" significa "fogo". Assim, Mboi Tatá é a serpente de fogo, um ser mítico que protege as florestas e pune aqueles que as desrespeitam.

Com olhos que brilham como brasas e um corpo que exala chamas, o Mboi Tatá serpenteia pelas matas, vigiando cada canto. Dizem que seus olhos são tão intensos que podem causar cegueira a quem ousar olhá-los diretamente. A lenda conta que o Mboi Tatá surgiu da ira da natureza, para proteger as florestas dos incêndios criminosos e daqueles que exploram seus recursos sem cuidado.

Quando alguém decide atear fogo à mata, o Mboi Tatá desperta de seu sono e surge das profundezas da floresta. Com um rugido ensurdecedor, ele persegue os invasores, lançando jatos de fogo que consomem tudo em seu caminho. Acreditava-se que o Mboi Tatá tinha o poder de transformar-se em um tronco em chamas, enganando os incautos e os consumindo em suas próprias fogueiras.

O Mboi Tatá não era apenas um ser de destruição, mas também um símbolo de renovação. As chamas do Mboi Tatá eram vistas como uma forma de purificação, capaz de limpar a terra e preparar o caminho para um novo ciclo de vida. No entanto, seu poder era temido e respeitado, e os povos indígenas evitavam provocar sua ira.

A lenda do Mboi Tatá era transmitida de geração em geração, servindo como um lembrete da importância de cuidar da natureza. A figura do Mboi Tatá era um alerta para aqueles que ousavam desrespeitar as florestas, um aviso de que a natureza possui seus próprios mecanismos de defesa.


A Vingança da Mãe Terra

Nos últimos anos, testemunhamos um fenômeno alarmante: incêndios florestais de proporções catastróficas têm assolado diversas regiões do Brasil, em especial o estado de São Paulo. As chamas, impulsionadas por condições climáticas extremas e pela ação humana, consomem vastas áreas de mata nativa, causando danos irreparáveis ao meio ambiente e à biodiversidade.

Nesse contexto, a figura do Mboi Tatá ganha um novo significado. Se antes era visto como um protetor, agora ele pode ser interpretado como uma força da natureza em fúria, vingando-se da humanidade por sua insensatez. A devastação causada pelos incêndios ecoa como um grito de dor da Mãe Terra, um chamado de atenção para a necessidade de preservarmos o meio ambiente.

A associação entre o Mboi Tatá e as queimadas não é mera coincidência. Na mitologia Tupi-Guarani, o fogo é um elemento fundamental, tanto criador como destruidor. O Mboi Tatá, como senhor das chamas, tem o poder de purificar a terra, mas também de consumi-la. As queimadas, portanto, podem ser vistas como uma forma de purificação, um processo natural que renova a floresta.


A Força Indomável da Natureza

No entanto, a escala e a intensidade dos incêndios atuais ultrapassam em muito os limites daquilo que pode ser considerado natural. A ação humana, através do desmatamento, das queimadas criminosas e das mudanças climáticas, tem exacerbado esse fenômeno, transformando o fogo em um agente de destruição em massa. Isso nos faz pensar em quem são as verdadeiras criaturas destrutivas por aqui...

A capacidade de regeneração da natureza, é notável e muito maior que a capacidade de sobrevivência da espécie humana. As florestas, após serem devastadas pelo fogo, levam décadas para se recuperar completamente; mas se recuperam. Muitas espécies de plantas e animais são extintas, e o solo, rico em nutrientes, é erodido, tornando a terra improdutiva. Porém, no decorrer de milênios, novas espécies podem surgir.

O que não é capaz de se recuperar dessa destruíção é a espécie humana, que, em sua arrogância, se acha superior às forças da natureza. Um grande erro.


O Mboi Tatá e os Youkais: Um Paralelo

A figura do Mboi Tatá encontra paralelos em diversas culturas ao redor do mundo. No Japão, por exemplo, os youkais são espíritos sobrenaturais que habitam florestas, montanhas e rios. Muitos desses youkais estão associados aos elementos naturais, como o fogo, a água e o vento.

Assim como o Mboi Tatá, os youkais são seres ambivalentes, capazes tanto de ajudar quanto de prejudicar os humanos. Eles são, ao mesmo tempo, protetores da natureza e vingadores daqueles que a desrespeitam. Essa dualidade reflete a complexidade da relação entre o homem e o meio ambiente, uma relação marcada por conflito e interdependência.

Eu já fiz uma menção ao paralelo que é possível fazer entre o folclore japonês com a mitologia dos povos ancestrais da América do Sul, em um prefácio da primeira edição de A Rua dos Anhangás; um conto que faz uso da mitologia Tupi Guarani tal como os japoneses usam seus Youkais em seus mangás e animês. Se quiser conferir, é só visitar esse post.


Um Chamado à Reflexão

A lenda do Mboi Tatá nos convida a refletir sobre nosso papel no mundo. Somos parte da natureza, e nossas ações têm consequências diretas sobre o planeta. Ao desrespeitar o meio ambiente, colocamos em risco nossa própria sobrevivência e a de futuras gerações.

É preciso que compreendamos que a natureza não é algo a ser dominado, mas sim um parceiro com quem devemos coexistir em harmonia. A preservação das florestas, a proteção da biodiversidade e a luta contra as mudanças climáticas são desafios urgentes que exigem a união de todos nós.


Um Conto de Terror para Refletir

Neste Halloween, ao invés de celebrarmos criaturas fantasmagóricas e sobrenaturais, podemos aproveitar a oportunidade para nos conectar com as forças da natureza e refletir sobre o nosso impacto no planeta. A lenda do Mboi Tatá, com sua carga simbólica, nos serve como um lembrete de que a natureza pode ser tanto uma fonte de vida quanto uma força destrutiva.

Que a fúria do Mboi Tatá nos sirva como um alerta, e que possamos agir para construir um futuro mais sustentável e harmonioso com o meio ambiente.

Bom, agora eu vou ficando por aqui, com minhas leituras e escritos.
Até o próximo post 🐍

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