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"Foi um sonho o que trouze a lótus noturna?
Então que seja maldito por minha vida
letárgica tornar;
E que seja maldita cada hora preguiçosa que
não vê
O sangue quente da lâmina carmesim
gotejar." - A Canção de Bêlit
Em uma época de espadas forjadas em brasas infernais e feitiços que invocavam demônios ancestrais, um bárbaro cimério cruzou os mares em busca de glória e fortuna. Seu nome ecoava pelos becos mais escuros e pelos palácios mais suntuosos: Conan. E em suas aventuras, ele encontrou uma mulher que o igualava em espírito e astúcia, a rainha pirata Bêlit, governante da Costa Negra. Juntos, eles se aventuraram em terras desconhecidas, enfrentando e saqueando navios mercantes e rivais piratas pelos mares, até que Bêlit resolveu por em prática sua maior ambição: subir o rio Zarkheba em direção a selva na qual as ruínas de um povo esquecido prometiam tesouros inimagináveis. Neste post, vamos mergulhar em um dos contos mais emblemáticos de Conan o bárbaro: A Rainha da Costa Negra.
Introdução ao Conto
"A Rainha da Costa Negra" é um conto clássico de espada e feitiçaria escrito por Robert E. Howard, publicado pela primeira vez na revista Weird Tales em maio de 1934. Este conto é uma das aventuras mais memoráveis de Conan, o Bárbaro, e destaca a relação intensa e apaixonada entre Conan e a pirata Bêlit, a rainha da costa negra.
Sinopse Detalhada
A história começa com Conan fugindo de perseguidores e se juntando à tripulação de piratas liderada por Tito. Durante a viagem, eles encontram a pirata Bêlit, conhecida como a "Rainha da Costa Negra". Após uma batalha feroz, Conan se junta a Bêlit e seus piratas, e juntos eles navegam, saqueando vilas e enfrentando perigos.
Bêlit convence Conan a explorar o misterioso rio Zarkheba, onde acreditam haver uma cidade perdida. Eles enfrentam vários perigos, incluindo uma enorme serpente. Ao chegarem à cidade fantasma, eles encontram uma série de mistérios e forças sobrenaturais. A história culmina em um confronto com essas forças, resultando em tragédia e perda.
Sobre o Autor e Seus Personagens
Robert E. Howard foi um escritor americano, conhecido por criar o gênero de espada e feitiçaria. Ele é mais famoso por suas histórias de Conan, o Bárbaro, um personagem que se tornou um ícone da cultura pop. Howard tinha um talento único para criar mundos vívidos e personagens carismáticos, e Conan é um exemplo perfeito disso.
Conan é um guerreiro Cimério, conhecido por sua força, coragem e habilidades de combate. Ele é um personagem complexo, com uma mistura de brutalidade e honra. Sua relação com Bêlit é uma das mais intensas e apaixonadas de suas aventuras.
Bêlit é uma personagem fascinante e única para seu tempo. Ela é uma pirata feroz e líder de uma tripulação de saqueadores. Sua paixão e determinação a tornam uma figura poderosa e carismática. A relação entre Conan e Bêlit é central para a história, e sua dinâmica é cheia de tensão e emoção.Análise Aprofundada do Conto
"A Rainha da Costa Negra" é uma história rica em ação, aventura e romance. Howard cria um mundo vívido e detalhado, onde cada cena é cheia de tensão e emoção. A relação entre Conan e Bêlit é o coração da história, e sua química é palpável.
A exploração do rio Zarkheba e a descoberta da cidade fantasma são momentos de grande suspense e mistério. Howard usa descrições detalhadas para criar uma atmosfera de perigo e incerteza. A batalha final com as forças sobrenaturais é emocionante e trágica, mostrando a habilidade de Howard em criar cenas de ação intensas.
Críticas sociais presentes no conto (e na obra de Howard)
"A Rainha da Costa Negra" de Robert E. Howard é uma obra rica em ação e aventura, mas também oferece críticas sociais sutis que refletem as preocupações do autor com a civilização, a moralidade e a natureza humana. Aqui estão algumas das críticas sociais presentes no conto, acompanhadas de exemplos específicos:
Civilização vs. Barbarismo
Howard frequentemente explorava a tensão entre a civilização e o barbarismo em suas histórias. Em "A Rainha da Costa Negra", essa tensão é evidente na maneira como Conan, um bárbaro, interage com o mundo civilizado. Conan é retratado como um homem de ação direta e moralidade simples, em contraste com a corrupção e a hipocrisia das sociedades civilizadas.
Exemplo: Quando Conan é levado ao tribunal por se recusar a trair um amigo, ele se depara com a incompreensão das leis e da moralidade civilizadas. Ele acaba matando o juiz e fugindo, demonstrando sua rejeição às normas civilizadas que ele considera injustas e opressivas.
Eu acho esse trecho tão marcante na mensagem de Howard sobre sua defesa do "barbarismo" sobre a "civilização" que faço questão de reproduzir esse trecho do texto abaixo:
— Por Crom, embora eu já tenha passado um tempo considerável em meio aos povos civilizados, seu comportamento continua além da minha compreensão. Bem, na noite passada, em uma taverna, um capitão da guarda do rei violentou a garota de um jovem soldado que, naturalmente, acabou com ele. Mas parece haver alguma lei maldita contra matar oficiais da guarda, e o rapaz e sua namorada fugiram. Há boatos de que eu havia sido visto com eles, então hoje fui levado à corte, e um juiz me perguntou para onde o rapaz tinha ido. Respondi que, uma vez que ele era meu amigo, não podia traí-lo. A corte ficou furiosa, e o juiz desatou a falar sem parar sobre o meu dever para com o Estado, a sociedade e outras coisas que não entendi, e me ordenou revelar para onde o rapaz tinha fugido. Àquela altura, eu também estava ficando furioso, pois já tinha explicado minha posição. Mesmo assim, engoli a ira e fiquei quieto, mas o juiz determinou que eu estava demonstrando desprezo pela corte e que deveria ser jogado num calabouço para apodrecer até que traísse meu amigo. Então, ao ver que todos estavam loucos, desembanhei minha espada e parti a cabeça do juiz; a seguir, abri caminho pela corte e, ao ver o garanhão do chede de polícia amarrado ali perto, cavalguei para o cais, onde esperava encontrar algum navio que estivesse partindo para o estrangeiro. — Robert E. Howard.
É interessante notar como Howard deixa transparecer, em seu texto, como os personagens ditos "civilizados" são "sujos", "corrompidos" e "covardes".
Claro que, no mundo real, a mensagem de Howard não pode ser levada completamente ao pé da letra e a importância de um conjunto de leis e regras não possa ser vista como "mera ferramenta" de uma civilização inescrupulosa. Também não podemos pensar que Howard também não tenha alguma razão em suas ideias. O ponto aqui é, o mundo não é preto no branco e a grande verdade é que os contos de Conan, o bárbaro apresentam uma certa dose de manequeísmo em que o bem é representado pelo "barbarismo" e o mau é representado pela "civilização".
No mundo real, até mesmo grupos humanos considerados "bárbaros" (termo este que exige uma explicação para que se veja o quão o termo em si é inadequado) possuem suas próprias regras e leis e, inclusive, não estavam isentos deste veneno que chamamos de corrupção e covardia.
Acredito que o que Howard desejava transmitir em suas histórias era a ideia geral de que a civilização potencializava os defeitos da humanidade, embora seu carismático protagonista demonstrasse na maior parte do tempo ser um exemplo de virtudes, ao menos, do ponto de vista que "as pessoas da época" idealizavam como "virtudes" desejáveis em um homem ou, em última instância em uma pessoa, visto que algumas de suas personages femininas também possuíam essas características, ou pelo menos, algumas delas.
Ainda assim, gosto muito dessa passagem no conto "A Rainha da Costa Negra", pois ele me lembra da mensagem transmitida em diversas adaptações de outro personagem do tipo "heróico" que gosto bastante: o Zorro ("El Zorro" no original). Na antiga Califórnia, o herói mascarado leva a seguinte mensagem através de suas aventuras enquanto enfrenta a opressão de um govero tirano: se a lei não serve a justiça, então a justiça também não deve servir a lei.
Acredito que foi essa a ideia que Howard quiz passar com essa passagem de Conan partindo o crânio de um juiz. O problema que vejo na forma como Howard faz isso é que ele parte do princípio de que Conan age corretamente de forma ingênua; um cimério bárbaro é naturalmente correto pois sua "espécie" ainda não foi contaminada pela civilização através dos séculos de evolução. Acho que isso é um problema, pois, como eu já mencionei, o mundo real é mais complexo que isso e a maldade e a bondade existem tanto na alma bárbara, quanto na civilizada.
Poder e Liderança Feminina
Bêlit, a protagonista feminina, é uma líder poderosa e carismática, algo incomum para a época em que a história foi escrita. Ela desafia as normas de gênero e demonstra que as mulheres podem ser tão ferozes e capazes quanto os homens.
Exemplo: Bêlit é a capitã de um navio pirata e comanda uma tripulação de homens com autoridade inquestionável. Sua liderança é respeitada e temida, e ela é retratada como uma figura de poder e desejo, desafiando as expectativas tradicionais de gênero.
Natureza Humana e Moralidade
Howard também explora a natureza humana e a moralidade através dos personagens e suas ações. Conan, apesar de ser um bárbaro, possui um código de honra pessoal que muitas vezes contrasta com a moralidade dúbia dos personagens civilizados.
Exemplo: A decisão de Conan de não trair seu amigo, mesmo sob ameaça de prisão, mostra sua lealdade e honra. Em contraste, os guardas e o juiz representam uma moralidade civilizada que é facilmente corrompida e manipulada.
Colonialismo e Exploração
A exploração do rio Zarkheba e a busca pela cidade perdida refletem temas de colonialismo e exploração. Bêlit e Conan representam os exploradores que invadem terras desconhecidas em busca de riqueza e poder, muitas vezes desconsiderando as consequências para os habitantes locais e o meio ambiente.
Exemplo: A expedição de Bêlit e Conan ao rio Zarkheba é motivada pela ganância e pela busca de tesouros. Eles enfrentam perigos sobrenaturais e criaturas misteriosas, simbolizando os riscos e as consequências da exploração desenfreada.
Superstição e Religião
A história também aborda a superstição e a religião, mostrando como essas crenças podem influenciar o comportamento humano. Bêlit, por exemplo, acredita em deuses e espíritos que podem influenciar seu destino, enquanto Conan é mais cético e pragmático.
Exemplo: Bêlit fala sobre os deuses e a vida após a morte, expressando sua crença de que seu amor por Conan transcenderá a morte. Conan, por outro lado, é mais cético e acredita que a vida deve ser vivida intensamente no presente, sem se preocupar com o que vem depois.
Essas críticas sociais tornam "A Rainha da Costa Negra" uma obra rica e multifacetada, que vai além da simples aventura para explorar temas profundos e relevantes sobre a natureza humana e a sociedade.
Curiosidades e Importância Cultural
- Publicação Original: "A Rainha da Costa Negra" foi publicado pela primeira vez na revista Weird Tales em maio de 1934. A história rapidamente se tornou uma das favoritas dos fãs de Conan.
- Adaptações: O conto foi adaptado para várias mídias, incluindo quadrinhos e jogos. A relação entre Conan e Bêlit foi explorada em várias histórias e continua a ser uma das mais memoráveis do universo de Conan.
- Influência na Cultura Pop: Conan, o Bárbaro, se tornou um ícone da cultura pop, influenciando gerações de escritores, artistas e cineastas. A história de "A Rainha da Costa Negra" é um exemplo perfeito do apelo duradouro de Conan e do talento de Howard em criar histórias épicas e emocionantes.
Enfim, vou ficando por aqui, nos mares selvagens de outra costa. Mas retorno em breve, com mais fantasia sombria 🏴☠️💀🐺🎃👹👻